Depois de ter ontem iniciado a publicação do meu bloco de crónicas Da minha janela, junto hoje mais uma história portuguesa.
DA MINHA JANELA III
Delicadezas de boca
Neste período do final de um ano e início do seguinte é costume as pessoas juntarem-se e festejarem das mais variadas formas.
O ano passado sucedeu-me uma coisa curiosa que foi o saborear a requintada e inspiradora cuisine de degustação, moda que se tem apossado de uma cada vez maior quantidade de restaurantes portugueses. Nestes programas de degustação, encontramos normalmente pratos excepcionais e esquisitos (como diriam os nossos amigos espanhóis), confeccionados e elaborados por um Chef famoso e cuja escolha dos ingredientes visa transformar a dita refeição numa experiência gastronómica realmente inesquecível.
Mas o que quer dizer afinal degustação? O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado de 1987 diz que vem do francês, dégustation, relacionado com o verbo déguster e este do latim degustāre e que significa: provar, apreciar, saborear. Já o Grande Dicionário da Língua Portuguesa também com coordenação de José Pedro Machado de 1981, fala assim de degustar: apreciar com atenção ou prazer especial o gosto de, para lhe avaliar as qualidades; provar; saborear. Falam os entendidos, que se trata de cozinha francesa com um toque português, seja lá o que isso for.
Ora eu compreendo que se faça uma degustação de vinhos ou até de vinhos e queijos ou mesmo de azeite e pão, agora um menu completo de degustação, especialmente quando isto nos acontece dois dias seguidos, em terras de Viriato desde a Serra da Gralheira até à própria Serra da Estrela, terras da vitela, do cabrito, dos rojões, do leite-creme e dos pastéis de Vouzela, acho demais!
Mas foi isso mesmo que me aconteceu, o que significa que em apenas duas refeições (de degustação) estive sentado, seis horas á mesa. Isto é bom, por exemplo, para as pessoas conversarem, mas para isso acontecer não é preciso estarmos tanto tempo à espera de tantos pratos que, de tão grandes, quase não se lhes vê o conteúdo. Por outro lado tem também alguns inconvenientes e desde logo, se estivermos com crianças as coisas tornam-se muito complicadas para elas, apesar da grande vantagem que têm em relação aos adultos no que diz respeito à refeição pois os seus menus não são de degustação, são de comida (que inveja que eu tive daquele prato das crianças com um fantástico bife de lombo grelhado com arroz branco enquanto eu me “banqueteava” com um faisão com fois-gras, gratinado de batata, pêra e redução de Porto)!
Uma coisa engraçada que podem ter estes menus de degustação é o chamado Amis-bouche ou Amuse bouche e eu tive oportunidade de experimentar nesta categoria, um creme de ervilhas com tártaro de bacalhau; mas o que são estas antes-da-entrada que eu traduzirei livremente por delicadezas de boca? Provavelmente são para nos deixar com água-na-boca e não é que deixam mesmo; neste caso particular, o creme de ervilhas ocupava apenas parte daquilo que poderia ser uma chávena de café e o tártaro de bacalhau tinha cerca de 0,5 centímetros quadrados… Foi como se nos servissem uma tapa no meio de uma travessa!
Mas há um pequeno e direi eu, não negligenciável inconveniente nestas tapas servidas em travessas; é que na degustação é suposto envolvermos os nossos sentidos da visão, do gosto e especialmente do olfacto e é aqui que a porca torce o rabo porque a quantidade de comida que nos é apresentada, apesar do seu aspecto visual e do gosto requintado, não nos permite estimular convenientemente o olfacto ‚ o sentido principal da degustação. Isto acontece porque grande parte do que gostamos, na realidade, simplesmente o cheiramos e aqui não temos hipótese de cheirar grande coisa. O olfacto é um sentido de alerta e, também, de imenso prazer. Trata-se de um sentido muito fino: a sensibilidade olfactiva é dez mil vezes superior à do gosto, mas como no ser humano este sentido perdeu ao longo da evolução da espécie algumas qualidades quando comparado com outros animais é preciso uma maior quantidade de estímulo para se obter o mesmo prazer, no que à comida diz respeito.
Não acabemos com o prazer da nossa cozinha portuguesa!
Por isso, não nos deixemos afrancesar e travemos esta terceira invasão francesa em forma de culinária minimalista.
Vivam a vitela, o cabrito, os rojões, o leite-creme e os pastéis de Vouzela!
Delicadezas de boca
Neste período do final de um ano e início do seguinte é costume as pessoas juntarem-se e festejarem das mais variadas formas.
O ano passado sucedeu-me uma coisa curiosa que foi o saborear a requintada e inspiradora cuisine de degustação, moda que se tem apossado de uma cada vez maior quantidade de restaurantes portugueses. Nestes programas de degustação, encontramos normalmente pratos excepcionais e esquisitos (como diriam os nossos amigos espanhóis), confeccionados e elaborados por um Chef famoso e cuja escolha dos ingredientes visa transformar a dita refeição numa experiência gastronómica realmente inesquecível.
Mas o que quer dizer afinal degustação? O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado de 1987 diz que vem do francês, dégustation, relacionado com o verbo déguster e este do latim degustāre e que significa: provar, apreciar, saborear. Já o Grande Dicionário da Língua Portuguesa também com coordenação de José Pedro Machado de 1981, fala assim de degustar: apreciar com atenção ou prazer especial o gosto de, para lhe avaliar as qualidades; provar; saborear. Falam os entendidos, que se trata de cozinha francesa com um toque português, seja lá o que isso for.
Ora eu compreendo que se faça uma degustação de vinhos ou até de vinhos e queijos ou mesmo de azeite e pão, agora um menu completo de degustação, especialmente quando isto nos acontece dois dias seguidos, em terras de Viriato desde a Serra da Gralheira até à própria Serra da Estrela, terras da vitela, do cabrito, dos rojões, do leite-creme e dos pastéis de Vouzela, acho demais!
Mas foi isso mesmo que me aconteceu, o que significa que em apenas duas refeições (de degustação) estive sentado, seis horas á mesa. Isto é bom, por exemplo, para as pessoas conversarem, mas para isso acontecer não é preciso estarmos tanto tempo à espera de tantos pratos que, de tão grandes, quase não se lhes vê o conteúdo. Por outro lado tem também alguns inconvenientes e desde logo, se estivermos com crianças as coisas tornam-se muito complicadas para elas, apesar da grande vantagem que têm em relação aos adultos no que diz respeito à refeição pois os seus menus não são de degustação, são de comida (que inveja que eu tive daquele prato das crianças com um fantástico bife de lombo grelhado com arroz branco enquanto eu me “banqueteava” com um faisão com fois-gras, gratinado de batata, pêra e redução de Porto)!
Uma coisa engraçada que podem ter estes menus de degustação é o chamado Amis-bouche ou Amuse bouche e eu tive oportunidade de experimentar nesta categoria, um creme de ervilhas com tártaro de bacalhau; mas o que são estas antes-da-entrada que eu traduzirei livremente por delicadezas de boca? Provavelmente são para nos deixar com água-na-boca e não é que deixam mesmo; neste caso particular, o creme de ervilhas ocupava apenas parte daquilo que poderia ser uma chávena de café e o tártaro de bacalhau tinha cerca de 0,5 centímetros quadrados… Foi como se nos servissem uma tapa no meio de uma travessa!
Mas há um pequeno e direi eu, não negligenciável inconveniente nestas tapas servidas em travessas; é que na degustação é suposto envolvermos os nossos sentidos da visão, do gosto e especialmente do olfacto e é aqui que a porca torce o rabo porque a quantidade de comida que nos é apresentada, apesar do seu aspecto visual e do gosto requintado, não nos permite estimular convenientemente o olfacto ‚ o sentido principal da degustação. Isto acontece porque grande parte do que gostamos, na realidade, simplesmente o cheiramos e aqui não temos hipótese de cheirar grande coisa. O olfacto é um sentido de alerta e, também, de imenso prazer. Trata-se de um sentido muito fino: a sensibilidade olfactiva é dez mil vezes superior à do gosto, mas como no ser humano este sentido perdeu ao longo da evolução da espécie algumas qualidades quando comparado com outros animais é preciso uma maior quantidade de estímulo para se obter o mesmo prazer, no que à comida diz respeito.
Não acabemos com o prazer da nossa cozinha portuguesa!
Por isso, não nos deixemos afrancesar e travemos esta terceira invasão francesa em forma de culinária minimalista.
Vivam a vitela, o cabrito, os rojões, o leite-creme e os pastéis de Vouzela!
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