Tuesday, December 18, 2007



DA MINHA JANELA VIII




No mês mais produtivo da minha blogação, vai mais um olhar para dentro Da minha janela.




Consulta trocada


"O macaco é um animal demasiado simpático para que o homem descenda dele"

Nietzsche


No meio de mais uma tarde de consultas, numa quinta-feira cinzenta e fria de Março, felizmente quase fim de semana, surge-me um casal jovem com uma criança pequena de cerca de dois anos de idade, trazendo a mãe na mão um envelope com o que pareciam ser umas análises e mais alguns papéis que mais tarde me seriam mostrados, assim pensava eu.
Antes mesmo de se sentarem, a mãe da Filipa – assim se chamava a menina – estendeu-me o que trazia na mão e começou, antes mesmo que eu pudesse ver o que ela tinha pousado na secretária à minha frente:
- Doutor, nós viemos cá porque a nossa filha vai ser operada amanhã e nós queríamos saber se era mesmo preciso!
Perante esta introdução, sentei-me melhor na minha cadeira, respirei fundo e perguntei:
- Mas se a criança vai ser operada já amanhã, porque vieram cá e porquê apenas hoje?
- Foi uma amiga minha, que o doutor já viu o filho que nos disse que o doutor estava muito habituado com crianças e nos podia dar uma orientação sobre se ela precisa mesmo de ser operada ou não.
- Mas, afinal… - comecei eu, quando fui interrompido pela senhora, que continuou:
- Olhe – disse, apontando para cima da secretária – estão aqui as análises que o médico pediu e como ele ainda não as viu, gostava que o doutor me dissesse se estão bem para a menina ser operada.
- Mas… - ia eu de novo a tentar falar quando a senhora se levanta de repente e pegando na criança, a manda abrir a boca e deitar a língua de fora, dizendo:
- Está a ver doutor, a menina está com a língua assim branca desde ontem; acha que está a ficar doente? Se calhar não pode ser operada!
Antes que eu pudesse abrir a boca, não para mostrar a língua, mas para tentar falar, no meio daquele turbilhão de informação desencontrada, foi a vez do pai, até essa altura um pouco à margem do que se estava a passar no consultório, que atirou:
- Olhe doutor, e apareceram-lhe umas pintinhas vermelhas nas pernas; acha que é sarampo?
- Não – interrompeu a mãe – isso foi de certeza do chocolate que a tua mãe lhe deu ontem sem eu saber…
- Bem – disse eu, levantando-me e não deixando começar o que poderia vir a ser uma discussão conjugal em pleno consultório médico – vamos mas é ver a Filipa primeiro e depois continuamos a conversa, está bem?
Depois de uma cuidadosa observação, não consegui descobrir qualquer alteração nos ouvidos, nariz ou garganta da criança, pelo que disse aos pais:
- Da minha parte parece-me que está tudo bem!
- Mas – disse a mãe muito depressa, mostrando a barriga da menina – o doutor não lhe viu a barriga e, está a ver este alto aqui no umbigo, é a isto que ela vai ser operada!
Incrédulo, tentei explicar à mãe que aquele problema era resolvido por colegas de outra especialidade, mas foi em vão pois a senhora levantou-se, arrastando consigo o marido, a filha e os papéis que me havia colocado em cima da secretária e que eu não consegui chegar a ver, e boa ajuda me teriam dado…
Entre dentes ainda a ouvi dizer à saída do consultório:
- E ainda dizem que os médicos estudam muito, para não conseguirem ver uma coisa que até eu sem óculos consigo ver, parece impossível; e eu que tinha tão boas referências deste doutor!...

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