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DA MINHA JANELA II
O traço de Siza, a mão de Deus!
Parte II: A casa de Deus é a casa dos homens!
No Domingo fui ao Marco! (continuação)
Depois de chegar e encontrar, afinal sem grandes dificuldades, a Igreja de Santa Maria, juntou-se o grupo para o repasto que haveria de preparar a visita tão aguardada.
Lá nos dirigimos nós para O Plátano, onde nos esperava um bacalhau e umas postas de vitela, regadas com o verde tinto da região ou com um Douro, mais autêntico, para quem o desejasse. Durante o almoço foram-se lançando algumas interrogações sobre aquela Igreja tão peculiar, que estávamos prestes a conhecer, tendo como pano de fundo a mensagem e as ideias de Teixeira de Pascoaes, um homem do Marão que, entre outros pensamentos disse “a morte é a pessoa feminina de Deus” ou “existir não é pensar: é ser lembrado”… E foi com os pensamentos de Pascoaes que, terminado o lauto repasto, nos dirigimos para a Igreja de Santa Maria., sob o sol escaldante de um domingo de Abril.
Ao chegar junto à Igreja, juntámo-nos à sua sombra, no jardim que está separado por duas colunas, do átrio que dá acesso à casa mortuária, que fica na continuação do mesmo jardim e do corpo da Igreja, desde logo em harmonia. Como a Igreja só abria às três horas e eram só duas e meia, por ali começámos a nossa visita. O jardim está dividido por um caminho empedrado, em duas partes: uma arranjada, bonita e organizada e outra parecendo um matagal; logo aqui vemos a divisão entre a ordem e o caos, levando esse caminho ao claustro, pátio interior que se atinge ultrapassando simbolicamente duas colunas rectangulares e depois duas colunas redondas. Ali chegados, a cota muito mais baixa do que o edifício da Igreja cria a sensação de estarmos num subterrâneo, num lugar de mistério, inspirando à meditação e recolhimento, que é acentuado pela frescura e pelo murmúrio da água que cai, mesmo em frente ao óculo do espaço do velório, para um pequeno lago. Outro elemento nos chama também a atenção, apontando ao alto, subindo com o edifício e a escada que conduz à entrada superior e parecendo puxar a terra para o céu ao mesmo tempo que atrai o céu para a terra: o cipreste!
Estávamos nós a apreciar as doutas explicações do nosso guia quando, um dos elementos do nosso grupo, que se havia afastado um pouco, regressa com um grupo de jovens de aspecto estrangeiro e que se começaram a juntar a nós:
- Olha, vais ter que dizer também qualquer coisa em inglês, pois estes rapazes são estudantes de arquitectura de Budapeste, na Hungria e acabaram de fazer 3.000 quilómetros para te ouvir falar, ou melhor para ver a Igreja falar! Nessa altura um casal de espanhóis também já se tinha juntado ao grupo e ia ouvindo Siza falar pela boca do Pedro (o nosso douto e letrado guia).
Entretanto já tinha passado meia hora e fomo-nos então dirigindo para a entrada da Igreja, subindo as escadas exteriores, acompanhados pelo cipreste e depois contornando a sua fachada noroeste, onde se destacam os enormes janelões superiores, cinco, dos quais apenas três (como vimos mais tarde) têm abertura para o interior.
Eis-nos chegados à fachada principal da Igreja, onde se destaca a enorme porta, alta, nobre, com um enorme peso na fachada do edifício. Transposta esta, entramos no lugar que Deus habita e deparamo-nos com a tranquilidade, a ordem e a luz, luz à altura do olhar e à altura da alma, como tão bem o soube ver e escrever o Padre Nuno Higino sobre a “sua” Igreja. É uma Igreja despojada de adereços supérfluos, onde cada coisa está no seu sítio duma forma natural, no seguimento das recomendações do Concílio Vaticano II, com o traço de Siza (seguramente) pela mão de Deus.
Na parede à direita da nave destaca-se uma longa fresta horizontal, à altura do homem, virada para a cidade e para as montanhas ao longe, fazendo a ligação com o mundo material. À sua frente encontra-se a parede curva, onde se abrem em cima os três janelões, que entrevíamos de fora, com uma escala menos humana e remetendo para o alto, para o transcendente.
Chegados ao presbitério, este encontra-se três degraus acima da nave, numa relação muito estreita e comunicante.
Haveria muito mais para contar e lembrar da Igreja de Santa Maria, mas vou apenas falar de dois elementos fundamentais no conjunto: a imagem de Nossa Senhora e a cruz. A Nossa Senhora está colocada do lado direito no primeiro degrau entre a nave e o presbitério e virada para a cruz que se encontra ao fundo, do lado direito do altar. A colocação de Nossa Senhora no primeiro degrau não foi ao acaso (nada ali parece ter sido deixado ao acaso, pois como disse Siza: “com o sagrado não se brinca”), pois assim encontra-se ao lado dos homens, mas elevada a uma particular dignidade.
Finalmente a cruz, que não encontrámos lá fora, tem a forma de um tau grego, colocada lateralmente, voltada para o altar e para a Mãe, mais ao longe, tornando o altar o centro do espaço. A cruz de quatro metros de altura, dignamente revestida a ouro, não apresenta o Cristo de uma forma óbvia, mas quando olhamos para ela parece-nos vê-Lo lá…
O tempo vai passando sem que demos por isso e a Igreja começa a encher-se de gente de todo o mundo para ver a obra de Álvaro Siza com certeza, mas saímos daqui, com a perfeita noção de que em cada traço de Siza estava a mão de Deus!
" Existir não é pensar: é ser lembrado."
Teixeira de Pascoaes
O traço de Siza, a mão de Deus!
Parte II: A casa de Deus é a casa dos homens!
No Domingo fui ao Marco! (continuação)
Depois de chegar e encontrar, afinal sem grandes dificuldades, a Igreja de Santa Maria, juntou-se o grupo para o repasto que haveria de preparar a visita tão aguardada.
Lá nos dirigimos nós para O Plátano, onde nos esperava um bacalhau e umas postas de vitela, regadas com o verde tinto da região ou com um Douro, mais autêntico, para quem o desejasse. Durante o almoço foram-se lançando algumas interrogações sobre aquela Igreja tão peculiar, que estávamos prestes a conhecer, tendo como pano de fundo a mensagem e as ideias de Teixeira de Pascoaes, um homem do Marão que, entre outros pensamentos disse “a morte é a pessoa feminina de Deus” ou “existir não é pensar: é ser lembrado”… E foi com os pensamentos de Pascoaes que, terminado o lauto repasto, nos dirigimos para a Igreja de Santa Maria., sob o sol escaldante de um domingo de Abril.
Ao chegar junto à Igreja, juntámo-nos à sua sombra, no jardim que está separado por duas colunas, do átrio que dá acesso à casa mortuária, que fica na continuação do mesmo jardim e do corpo da Igreja, desde logo em harmonia. Como a Igreja só abria às três horas e eram só duas e meia, por ali começámos a nossa visita. O jardim está dividido por um caminho empedrado, em duas partes: uma arranjada, bonita e organizada e outra parecendo um matagal; logo aqui vemos a divisão entre a ordem e o caos, levando esse caminho ao claustro, pátio interior que se atinge ultrapassando simbolicamente duas colunas rectangulares e depois duas colunas redondas. Ali chegados, a cota muito mais baixa do que o edifício da Igreja cria a sensação de estarmos num subterrâneo, num lugar de mistério, inspirando à meditação e recolhimento, que é acentuado pela frescura e pelo murmúrio da água que cai, mesmo em frente ao óculo do espaço do velório, para um pequeno lago. Outro elemento nos chama também a atenção, apontando ao alto, subindo com o edifício e a escada que conduz à entrada superior e parecendo puxar a terra para o céu ao mesmo tempo que atrai o céu para a terra: o cipreste!
Estávamos nós a apreciar as doutas explicações do nosso guia quando, um dos elementos do nosso grupo, que se havia afastado um pouco, regressa com um grupo de jovens de aspecto estrangeiro e que se começaram a juntar a nós:
- Olha, vais ter que dizer também qualquer coisa em inglês, pois estes rapazes são estudantes de arquitectura de Budapeste, na Hungria e acabaram de fazer 3.000 quilómetros para te ouvir falar, ou melhor para ver a Igreja falar! Nessa altura um casal de espanhóis também já se tinha juntado ao grupo e ia ouvindo Siza falar pela boca do Pedro (o nosso douto e letrado guia).
Entretanto já tinha passado meia hora e fomo-nos então dirigindo para a entrada da Igreja, subindo as escadas exteriores, acompanhados pelo cipreste e depois contornando a sua fachada noroeste, onde se destacam os enormes janelões superiores, cinco, dos quais apenas três (como vimos mais tarde) têm abertura para o interior.
Eis-nos chegados à fachada principal da Igreja, onde se destaca a enorme porta, alta, nobre, com um enorme peso na fachada do edifício. Transposta esta, entramos no lugar que Deus habita e deparamo-nos com a tranquilidade, a ordem e a luz, luz à altura do olhar e à altura da alma, como tão bem o soube ver e escrever o Padre Nuno Higino sobre a “sua” Igreja. É uma Igreja despojada de adereços supérfluos, onde cada coisa está no seu sítio duma forma natural, no seguimento das recomendações do Concílio Vaticano II, com o traço de Siza (seguramente) pela mão de Deus.
Na parede à direita da nave destaca-se uma longa fresta horizontal, à altura do homem, virada para a cidade e para as montanhas ao longe, fazendo a ligação com o mundo material. À sua frente encontra-se a parede curva, onde se abrem em cima os três janelões, que entrevíamos de fora, com uma escala menos humana e remetendo para o alto, para o transcendente.
Chegados ao presbitério, este encontra-se três degraus acima da nave, numa relação muito estreita e comunicante.
Haveria muito mais para contar e lembrar da Igreja de Santa Maria, mas vou apenas falar de dois elementos fundamentais no conjunto: a imagem de Nossa Senhora e a cruz. A Nossa Senhora está colocada do lado direito no primeiro degrau entre a nave e o presbitério e virada para a cruz que se encontra ao fundo, do lado direito do altar. A colocação de Nossa Senhora no primeiro degrau não foi ao acaso (nada ali parece ter sido deixado ao acaso, pois como disse Siza: “com o sagrado não se brinca”), pois assim encontra-se ao lado dos homens, mas elevada a uma particular dignidade.
Finalmente a cruz, que não encontrámos lá fora, tem a forma de um tau grego, colocada lateralmente, voltada para o altar e para a Mãe, mais ao longe, tornando o altar o centro do espaço. A cruz de quatro metros de altura, dignamente revestida a ouro, não apresenta o Cristo de uma forma óbvia, mas quando olhamos para ela parece-nos vê-Lo lá…
O tempo vai passando sem que demos por isso e a Igreja começa a encher-se de gente de todo o mundo para ver a obra de Álvaro Siza com certeza, mas saímos daqui, com a perfeita noção de que em cada traço de Siza estava a mão de Deus!
" Existir não é pensar: é ser lembrado."
Teixeira de Pascoaes
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